Os Estados Unidos e a China estão exercendo influências opostas sobre a economia global. Ainda que ambos estejam enfrentando uma queda na inflação, essa queda é mais gradual nos EUA, enquanto a China já está registrando deflação. Os EUA estão retomando o crescimento no terceiro trimestre, surpreendendo as expectativas, ao passo que a robusta expansão do PIB chinesa prevista após a pandemia está enfrentando obstáculos.
Cenário Internacional
Apesar das diversas abordagens adotadas pelos bancos centrais, das distintas pressões inflacionárias que enfrentam e das variadas configurações das economias nacionais, há uma notável convergência nas reações às medidas de aperto monetário. O desemprego, nos Estados Unidos e na Europa, não apenas permaneceu estável, mas também atingiu os níveis mais baixos em décadas. Os índices de preços ao consumidor, embora tenham diminuído, o fizeram de maneira lenta, contrastando com a rápida e enérgica elevação das taxas de juros. O impacto sobre o crescimento econômico foi moderado, superando as expectativas iniciais. A economia dos Estados Unidos está avançando além das previsões. Enquanto isso, a China, a segunda maior economia do mundo, está perdendo ritmo, embora seu banco central esteja focado em reduzir as taxas de juros.
Os Estados Unidos e a China estão exercendo influências opostas sobre a economia global. Ainda que ambos estejam enfrentando uma queda na inflação, essa queda é mais gradual nos EUA, enquanto a China já está registrando deflação. Os EUA estão retomando o crescimento no terceiro trimestre, surpreendendo as expectativas, ao passo que a robusta expansão do PIB chinesa prevista após a pandemia está enfrentando obstáculos, com a meta de 5,5% para o PIB deste ano em sério risco de não ser alcançada. A zona do euro encontra-se em uma posição intermediária: seu crescimento não será muito expressivo,
mas parece ter evitado uma recessão que, a princípio, parecia iminente. Nenhum país emergente de relevância entrou em uma recessão profunda.
Curiosamente, muitos dos riscos associados ao aumento das taxas de juros nas principais economias e nos mercados emergentes ainda não se concretizaram. Até o momento, os custos mais elevados de financiamento externo não provocaram nenhum default significativo, apesar do rápido aumento da dívida dos países emergentes desde a crise financeira de 2008, que era uma das consequências mais esperadas do endurecimento das condições monetárias globais. Nos países desenvolvidos, as empresas altamente endividadas, consideradas um ponto de vulnerabilidade importante, não foram sufocadas pelos aumentos nas taxas de juros, mesmo com a ampliação do diferencial entre as taxas básicas e as que pagam por seus “junk bonds”.
Em julho, o Fundo Monetário Internacional ainda apontava um balanço de riscos inclinado para o lado negativo. No entanto, fatores que poderiam levar a uma queda na inflação, como uma recessão severa causada por uma política monetária restritiva, resultando em “overshooting” ou uma crise financeira séria, especialmente para instituições com exposição ao mercado imobiliário, ainda não se concretizaram a curto prazo. A rápida elevação das taxas de juros teve impactos negativos em bancos regionais nos EUA e no Credit Suisse, mas seus efeitos não se espalharam amplamente. Outro risco destacado, uma recuperação decepcionante na China, ainda está presente, mas mesmo assim, a pior expectativa de crescimento não é inferior a 4%, o que está longe de ser catastrófico.
Os fatores negativos indicados pelo FMI também não se materializaram integralmente. A inflação ainda está longe de atingir as metas estabelecidas na Europa, Estados Unidos e Brasil, mas houve uma significativa redução, embora isso não permita aos bancos centrais afirmar com confiança que venceram a batalha. Uma das condições para amenizar as pressões inflacionárias seria um aumento do desemprego, que poderia levar a uma posterior redução das taxas de juros, mas isso não ocorreu. O desemprego está no nível mais baixo em 50 anos nos EUA e na Europa, e no Brasil, está abaixo das expectativas.
A ameaça de estagflação, que era considerada séria por muitos analistas, parece agora menos plausível. A inflação está acima do desejável, de acordo com as metas dos sistemas de metas de inflação, mas o crescimento econômico também está acelerado, como se observa no Brasil. Alguns analistas argumentam que a meta de inflação é que está defasada e deveria ser mais elevada do que a atual. O único ponto certo, de acordo com as projeções dos bancos centrais, é que os índices de preços só devem se aproximar das metas no próximo ano (no caso do Brasil) ou em 2025 (na Europa e nos EUA).
Os amplos estímulos fiscais e monetários concedidos durante a crise de 2008 e depois, durante a pandemia, amorteceram a queda no consumo, enquanto as taxas de juros negativas impulsionaram a oferta. Entre esses dois fatores, havia uma demanda reprimida por serviços, que ainda mantém a inflação em níveis mais altos do que o desejável. O desafio atual dos bancos centrais é determinar se é necessário um aperto adicional ou a manutenção das taxas atuais por um período mais longo do que o esperado. Ambas as opções terão impacto negativo sobre o consumo, o emprego, o crescimento e a inflação. A questão mais complexa, no entanto, é a intensidade do aperto. O Banco Central Europeu e o Federal Reserve parecem estar contando informalmente com um cenário mais favorável: uma aterrissagem suave ou uma recessão breve e moderada. No Brasil, um aperto adicional pode resultar em mais alguns anos de crescimento medíocre.
A incerteza continua a gerar volatilidade nos ativos financeiros, em um ambiente marcado por conflitos entre os EUA e a China. A tarefa de estabilização econômica, após uma série de choques, ainda não foi concluída, e há um espaço considerável para pioras. Como um economista observou, “os preços estão subindo menos, não caindo” (Chris Giles, FT).
Cenário Doméstico
Após os períodos de hesitação que caracterizaram o início do ano, o segundo trimestre trouxe uma maior sensação de confiança em relação à situação econômica, tanto no âmbito nacional quanto internacional. Entretanto, as últimas semanas serviram como um lembrete de que diversos desafios podem estar sendo subestimados.
Em termos globais, a confiança no crescimento está em declínio. No cenário doméstico, embora seja positivo que a meta de inflação tenha sido mantida e a reforma tributária esteja progredindo, o risco fiscal no Brasil ainda é consideravelmente alto. A convergência dessas preocupações tem sido uma fonte de instabilidade nos mercados financeiros.
De fato, uma característica notável do atual contexto político e econômico do país é a inversão no ciclo tradicional de políticas relacionadas aos negócios, como previu o cientista político e professor do Insper, Carlos Melo. Normalmente, no início dos governos, há um foco em medidas rigorosas para reequilibrar as finanças públicas, criando espaço para aumento de gastos à medida que as eleições se aproximam.
No entanto, em 2023, esse padrão não se repetiu. Diante da desaceleração econômica em curso, gastos governamentais represados e a intensa polarização política no país, o governo optou por uma abordagem mais expansionista em relação às finanças públicas.
O desafio aqui é que essa estratégia requer credibilidade. A lembrança da agenda econômica e da crise fiscal que se desenrolou de 2006 a 2014 ainda está fresca na memória dos observadores. Além disso, qualquer sinal de retomada dessa agenda levanta o temor de que a conhecida máxima marxista de que a história se repete possa se confirmar.
Embora o anúncio de novas regras fiscais tenha aliviado parte desses temores, com o governo expressando sua intenção de aumentar a receita e equilibrar as contas públicas, o desempenho das contas até o momento e as perspectivas futuras
são motivo de preocupação.
No primeiro semestre deste ano, as despesas do governo central aumentaram em aproximadamente R$ 87 bilhões em relação ao mesmo período de 2022, uma variação real de 5,1%, superando a já elevada média histórica de 4,9% dos últimos 25 anos. Ao mesmo tempo, a receita líquida diminuiu em quase R$ 10 bilhões, uma queda real superior a 5%, contradizendo a expectativa de manutenção do ritmo de arrecadação observado após a pandemia. Como resultado, em apenas seis meses, o superávit primário do governo central passou de R$ 54,1 bilhões em 2022 para um déficit de R$ 42,7 bilhões.
Em um cenário otimista e simplificado, no qual a economia brasileira cresce a uma taxa anual de 2,5% e as despesas seguem as novas regras estabelecidas pelo Marco Fiscal, ainda seriam necessários cerca de R$ 250 bilhões, em termos correntes, para que o governo atinja anualmente o limite inferior do intervalo proposto para os resultados primários. Isso leva em consideração as medidas de aumento da arrecadação já anunciadas e em vigor.
grande problema é que essas estimativas são imprecisas. Não há certeza quanto ao valor e à origem desses recursos. É difícil prever com confiança como as receitas aumentarão por meio da redução de incentivos fiscais, correção de distorções no sistema tributário e resolução de disputas judiciais.
Na prática, parece provável que as despesas continuem subindo e que o ciclo econômico por si só não seja suficiente para equilibrar as contas do governo central. Olhando para o presente, a saída mais provável parece ser um endividamento mais oneroso, uma vez que as taxas de juros reais superam a taxa de crescimento do PIB.
Em um contexto de falta de confiança, incertezas globais, dúvidas sobre a estratégia de arrecadação e pressões contínuas por gastos, será um desafio ancorar as expectativas. Na verdade, a mediana das projeções coletadas pelo Banco Central não aponta para o cumprimento de metas ou a estabilização da dívida pública.
Consequentemente, a capacidade de construir confiança na gestão econômica está se erodindo. No curto prazo, o cenário macroeconômico pode ser caracterizado por um câmbio sob pressão e uma desinflação lenta. A médio prazo, podem surgir novos níveis de equilíbrio para inflação e taxas de juros. Portanto, simplesmente afirmar que as regras fiscais reduziram a probabilidade de cenários ainda mais adversos não é suficiente. O eceticismo dos analistas parece justificado.