A gestora de recursos independente Ace Capital publicou, na semana passada, sua carta mensal referente a Julho, destinada aos cotistas de seus fundos e investidores em geral.
A publicação tem início com a gestora fazendo uma reavaliação da situação do mercado de trabalho norte-americano, depois de, na carta de Março, afirmar que o processo de desaceleração já estava em curso, o que foi confirmado nos dados dos meses seguintes.
Ela comenta que os dados do mês passado indicaram um “esfriamento rápido do setor”, com a taxa de desemprego do país atingindo 4,3%, quase 1 ponto percentual superior à mínima atingida no ano passado.
“Este ritmo mais acelerado de alta da taxa de desemprego fez com que a ‘regra de Sahm’ fosse acionada em julho, o que deve deixar o Fed mais preocupado com o risco de uma desaceleração mais acentuada de atividade econômica”, projeta.
“Além disso, o índice de emprego do Fed de Kansas, que havíamos mostrado em março e que já sinalizava alta na taxa de desemprego, seguiu subindo nos últimos meses, ainda que de forma mais lenta”.
A gestora ainda destaca que o número de criação de postos de trabalho também tem desacelerado de forma mais rápida nos últimos meses, “principalmente nos setores mais ligados ao ciclo econômico”.
“Por consequência, é possível ver também que os pedidos de demissão, outro indicador que está intimamente associado ao aquecimento do mercado de trabalho e a pressões salariais, continuam caindo consistentemente e as métricas mais tradicionais já estão abaixo do nível pré-pandemia, também indicando um menor aquecimento do setor”, acrescenta.
Ainda que considere cedo para concluir que a economia dos Estados Unidos caminha para um cenário recessivo, a Ace afirma que “o balanço de riscos percebido por nós e pelo Fed parece estar mudando rapidamente”.
“Com os dados mais recentes de inflação vindo abaixo do esperado e mostrando inflação de serviços bem-comportada, a preocupação da autoridade monetária passa a ser de evitar uma desaceleração mais acentuada da atividade econômica”.
Dessa maneira, a gestora considera dado que o Federal Reserve (FED), banco central do país, irá cortar os juros em Setembro, restando, então, saber qual a magnitude do corte, com ela projetando que há uma chance maior dele ser de 50 pontos-base (0,50 ponto percentual) e não de 25 pontos-base (0,25 ponto percentual).
Ainda assim, ela admite que tudo depende dos dados a serem publicados até lá, com destaque para o Payroll de Agosto.
Com relação ao cenário eleitoral dos Estados Unidos, os acontecimentos de Julho levam a uma mudança de cenário, com o que parecia uma eleição relativamente tranquila para o ex-presidente republicano Donald Trump se tornando um embate mais duro e aberto com a vice-presidente democrata Kamala Harris.
Por aqui, a gestora destaca a tentativa de reação do governo à deterioração dos ativos locais, com o presidente baixando o tom em relação ao BC e à política monetária, além de dar aval para que o Ministério da Fazenda avançasse em medidas para cortar gastos.
“Embora essas medidas sejam salutares, elas vieram tarde e somente após uma depreciação cambial bastante acentuada. Além disso, essas medidas não representam, necessariamente, um ajuste fiscal”, comenta.
“Fraudes têm que ser combatidas a todo momento do tempo por serem ilegais. Argumento semelhante também vale para os contingenciamentos e bloqueios – são instrumentos previstos na legislação para o funcionamento do arcabouço fiscal vigente, desenhado por esse mesmo governo”.
Com isso, a Ace avalia que elas fizeram pouco para ajudar a aliviar a pressão, em especial da taxa de câmbio, já que a interpretação do mercado foi de que o governo busca ganhar tempo com as medidas anunciadas e não necessariamente atacar os problemas estruturais.
“Ao nosso ver, o processo de retomada de credibilidade da política econômica desse governo necessariamente passa pela adoção de medidas mais enfáticas na contenção de despesas obrigatórias”, acrescenta.
Soma-se a esse contexto o recente fortalecimento da moeda norte-americana contra moedas emergentes e a desvalorização de commodities relevantes para a exportação brasileira.
“Esse comportamento dos ativos globais, conforme comentamos, parece ser resultado de uma visão – que vem se consolidando – mais preocupada com a dinâmica de atividade nos EUA”, explica.
“E esse cenário de desaceleração mais acentuada da atividade (talvez até uma recessão) é, geralmente, associado a um dólar forte, em especial contra as moedas dos países emergentes”.
Nesse cenário, a gestora destaca a situação “bastante difícil” que se encontra o BC.
“Por um lado, a economia doméstica segue muito forte, com mercado de trabalho cada vez mais apertado e expectativas desancoradas. E temos visto a taxa de câmbio se solidificando em um patamar mais depreciado. Tudo isso sugere maior inflação adiante e necessidade de resposta do BC”, comenta.
“Por outro lado, uma desaceleração mais acentuada da atividade global, caso se confirme, pode trazer para mesa fatores desinflacionários relevantes a médio prazo, além de um ambiente ainda mais incerto e complexo – o que também deve ser levado em consideração pelos membros do Copom”.
Ela acredita que o BC deve continuar ganhando tempo e empurrando para frente qualquer decisão de juros que não seja a manutenção do patamar atual, de olho na evolução da taxa de câmbio e das expectativas de inflação.
Sendo assim, no mercado de renda fixa doméstico, ela segue buscando operações de valor relativo, mantendo uma exposição direcional reduzida, enquanto que, lá fora, ela zerou sua posição tomada na inclinação dos Estados Unidos, sendo substituída por uma “posição aplicada em diversas geografias”.
No mercado de câmbio, a Ace mantém posição comprada em dólar contra o yuan, da China, e a libra esterlina, do Reino Unido, além de permanecer “com exposição comprada em volatilidade e com posição tomada em cupom cambial”.
Já em renda variável, ela reduziu sua exposição às ações brasileiras, reduzindo sua posição em bancos e vendendo índice, enquanto aumentou sua exposição nos setores de energia elétrica e de proteínas.
“Na estratégia de valor relativo, mantivemos posições compradas nos setores de commodities, energia elétrica, saneamento e construção civil contra índice”, acrescenta.
“No internacional, o movimento recente de forte queda das bolsas nos pareceu exagerado e fizemos uma pequena compra (tática) do S&P”.
O Ace Capital FIC FIM, principal fundo da casa, teve rentabilidade de 0,58% em Julho, mas acumula queda de -0,59% nos últimos 12 meses.