Cenário Internacional
Os dirigentes do Federal Reserve (Fed), com destaque para Jerome Powell, reiteraram em diversas ocasiões que a decisão de reduzir a taxa de juros em 0,50 ponto percentual na última quarta-feira não foi, em absoluto, influenciada pelo calendário político. Contudo, é inegável que a reunião de política monetária, agendada para os dias 6 e 7 de novembro, será diretamente impactada pelo desfecho da eleição presidencial dos Estados Unidos, cujo pleito ocorrerá um dia antes.
Resta questionar até que ponto o desenrolar da corrida presidencial, com as pesquisas de intenção de voto nos dias que antecedem o pleito, poderá induzir o mercado a precificar a continuidade do ritmo de corte de 0,50 ponto percentual, ou a desacelerá-lo para uma redução de 0,25 ponto, como indicado no “dot plot” divulgado ao término da reunião do Comitê Federal de Mercado Aberto (FOMC) na última quarta-feira.
Por um lado, destaca-se o chamado “Trump trade”, ancorado nas propostas defendidas por Donald Trump, que preveem cortes de impostos e aumento generalizado de tarifas sobre importações. Tais medidas tendem a ampliar o déficit público, impactando a inflação e, consequentemente, fortalecendo o dólar.
Por outro lado, a plataforma econômica da candidata democrata Kamala Harris é vista pelo mercado como “dólar negativo”, ou seja, associada à uma desvalorização da moeda americana no cenário global.
Ian Lyngen, chefe da estratégia de juros para os EUA do BMO Markets, argumenta: “Embora o impacto das eleições não venha a influenciar diretamente o desempenho da economia real por alguns trimestres, em um cenário de vitória expressiva, seja dos republicanos ou dos democratas [Casa Branca, Senado e Câmara dos Deputados], o resultado eleitoral de novembro poderá contribuir rapidamente para o risco de uma reflação futura”. Ele complementa: “A decisão do Fed de iniciar a normalização da política monetária parece prudente no presente momento, embora não esteja totalmente isenta de riscos potenciais.”
De acordo com o site especializado em pesquisas eleitorais FiveThirtyEight, Kamala Harris lidera as pesquisas nacionais com uma vantagem de 2,8 pontos percentuais sobre Donald Trump (48,3% versus 45,5%), conforme o levantamento mais recente.
É importante destacar, entretanto, que a vitória nos Estados considerados decisivos, os chamados “swing states”, é o verdadeiro determinante. No momento, analistas políticos avaliam a eleição americana como tecnicamente empatada e bastante acirrada, ainda que a candidata democrata tenha ganho terreno nas últimas sondagens.
Francesco Pesole, estrategista de câmbio do banco ING, observa que há espaço para os mercados aumentarem as posições especulativas vendidas em dólar, apostando na queda da moeda, nas semanas que antecedem a eleição presidencial. “Isso, levando em conta o fato de que Kamala Harris, cuja candidatura é vista como desfavorável ao dólar, tem apresentado um desempenho consistente nas pesquisas após o debate [com Trump]”, explica Pesole.
Um dólar mais fraco poderá contribuir para a manutenção de um corte de 0,50 ponto percentual pelo FOMC em novembro. No entanto, os principais fatores que influenciarão essa decisão serão os próximos indicadores do mercado de trabalho e da atividade econômica como um todo nos Estados Unidos.
A mais recente atualização do monitor de desempenho do PIB americano pelo Fed de Atlanta (“GDPNow”) indica um crescimento anualizado de 2,9% no terceiro trimestre. O que motivou o Fed a iniciar o ciclo de afrouxamento monetário com um corte mais agressivo de 0,50 ponto percentual, no entanto, não foi a condição atual da economia americana, mas sim um movimento preventivo, com o objetivo de evitar uma contração mais severa do mercado de trabalho.
Até o momento, o cenário eleitoral americano não alterou significativamente as expectativas do mercado em relação às próximas decisões do Fed. Contudo, tal cenário pode mudar nas semanas subsequentes.
Cenário Doméstico
A economia brasileira está incorrendo em um rigoroso e oneroso ajuste nas contas públicas ao postergar o enfrentamento das despesas obrigatórias. Este cenário tem sido construído por diversos fatores. O primeiro deles é a preferência por uma expansão fiscal, resultante da combinação entre ideologia, ciclo eleitoral e insatisfação popular com os serviços públicos. Dado que o desequilíbrio fiscal e seus impactos econômicos constituem um tema social e politicamente sensível, o governo tem buscado equilibrar as contas públicas.
O desenvolvimento de uma nova regra fiscal representa um avanço, uma vez que é mais flexível do que o teto de gastos, permitindo uma expansão real das despesas. Todavia, diferentemente da estratégia adotada em 2016, a nova regra não se concentra nas despesas, mas sim nas receitas. A escolha de um ajuste por meio do aumento de impostos, entretanto, traz seus próprios riscos. O primeiro risco reside nos limites sociais e políticos para o aumento da carga tributária. A regulamentação da reforma sugere a aplicação de alíquotas elevadas, o que explica, em parte, o foco das estratégias fiscais recentes no controle de gastos.
Além disso, a regra fiscal apresenta baixa transparência, dificultando a ancoragem das expectativas e abrindo espaço para um ajuste gradual, como foi o caso do teto de gastos. Isso ocorre porque os efeitos das medidas sobre a arrecadação são difíceis de prever, o cálculo do teto é menos claro do que na regra anterior, e os custos de não cumprir as metas de superávit primário são baixos. O resultado é uma descrença no ajuste e uma grande dispersão nas projeções.
Entretanto, o principal problema reside na escolha pelo aumento de impostos, que inevitavelmente coloca em segundo plano a agenda de reforma estrutural das despesas públicas. Ao dar ênfase às receitas e ao resultado primário, o discurso político dificulta a construção de consensos em torno da mudança da indexação de despesas e do encaminhamento de reformas administrativas e previdenciárias. Medidas que aumentem a arrecadação, muitas delas de caráter pontual, desviam o foco da questão central: como estabilizar a dívida pública, que já se encontra em patamares elevados.
Neste contexto, o equilíbrio das contas públicas tornou-se um fim em si mesmo, sem que se discuta como compatibilizar o arcabouço fiscal com a evolução das despesas obrigatórias, o que poderia aumentar a credibilidade da regra e o cenário de estabilização da dívida. Críticas à estratégia adotada são frequentemente interpretadas como ataques ideológicos por parte de políticos e investidores.
Por um lado, a estratégia permite ganhar tempo. No curto prazo, o impulso fiscal gera mais gastos, o que beneficia a arrecadação e ameniza a deterioração fiscal. No entanto, tal estratégia não é sustentável. Ao adiar a agenda de controle das despesas obrigatórias, e considerando os limites para o aumento das receitas, a realidade fiscal deverá se impor, agravando as distorções. Assim como ocorreu com o teto de gastos, o novo arcabouço fiscal provavelmente não será uma barreira eficaz para conter as pressões provenientes dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. É provável que novas exceções ao teto e estratégias parafiscais sustentem a expansão fiscal.
A dificuldade em alcançar uma trajetória consistente de melhoria dos resultados primários deverá manter a dívida pública em alta nos próximos anos, ultrapassando 80% do PIB até 2025.Como demonstra a experiência histórica, crises fiscais se constroem lentamente. O aumento da fragilidade fiscal expõe a economia a choques que pressionam o câmbio e a inflação, sobrecarregando a atuação do Banco Central no equilíbrio da economia. Com o aumento da instabilidade financeira e econômica, uma eventual tensão social poderá demandar respostas do sistema político. Esse cenário não é novo, tanto na experiência histórica quanto na literatura acadêmica. O modelo de economia política desenvolvido por Alberto Alesina e Allan Drazen, na década de 1980, conhecido como “guerra de desgaste” (war of attrition), sugere que o impasse político, causado pela disputa social sobre a distribuição dos custos de correção dos programas de governo, adia as mudanças até que a situação se agrave a tal ponto que o custo de adiar os ajustes supere seus benefícios.
Aplicado ao contexto atual do Brasil, turbulências financeiras e econômicas poderão servir como incentivo para que o Estado realize os ajustes necessários. No entanto, a correção tardia dos rumos não será isenta de custos. Será menos crível e implicará em sacrifícios mais elevados. Com menor confiança na agenda e um endividamento crescente, serão
necessários ajustes mais rápidos e severos para demonstrar o compromisso do governo e convencer os agentes econômicos de que há vontade política para estabilizar a dívida. Paradoxalmente, o aumento dos custos do ajuste poderá inviabilizar a própria agenda, gerando um círculo vicioso entre custos e viabilidade das reformas. Como sugere a teoria, portanto, a disputa sobre a distribuição dos custos da correção das contas públicas, seja por meio de aumento de impostos ou pelo controle das despesas, deverá atrasar o ajuste, agravar a crise da dívida pública e culminar em um momento de crise que possibilite a consolidação política em torno das agendas de estabilização e reforma.
O aspecto positivo, contudo, é que o país será, mais uma vez, compelido a enfrentar os desafios estruturais de sua economia. A reforma tributária, ao explicitar de maneira inequívoca o verdadeiro custo do aparato estatal, juntamente com o descontrole da dívida pública e a consequente desordem macroeconômica, funcionará como catalisador
inevitável para a retomada de uma agenda de reformas imprescindíveis. Entretanto, é necessário reconhecer que este processo não será desprovido de sacrifícios; como tem sido historicamente comprovado, ajustes dessa magnitude acarretam significativos ônus sociais e econômicos, tornando o caminho para a estabilização especialmente árduo e
oneroso.