Cenário Internacional
Nos últimos anos, a divergência no crescimento econômico entre os Estados Unidos e a Europa tem sido um tema central de discussão entre dirigentes e pesquisadores de bancos centrais, bem como em instituições financeiras internacionais. Embora já perceptível ao longo da última década, a maior dinâmica da economia americana tornou-se ainda mais evidente no período pós-pandemia.
Em uma palestra realizada no final de outubro, Agustín Carstens, diretor-geral do Bank for International Settlements (BIS), apresentou uma análise detalhada do crescimento acumulado do PIB desde o quarto trimestre de 2019, destacando as contribuições da produtividade por hora trabalhada e do total de horas trabalhadas para os Estados Unidos, a zona do euro e um grupo de economias emergentes.
A discrepância entre os padrões de crescimento é notável. Nos Estados Unidos, o crescimento do PIB foi expressivo e concentrado em ganhos de produtividade, enquanto na zona do euro, a expansão econômica foi modesta, sem contribuição significativa da produtividade. As economias emergentes apresentaram um desempenho intermediário,
com crescimento do PIB próximo ao dos Estados Unidos, mas com uma contribuição reduzida da produtividade.
Recentemente, esse tema foi novamente abordado em uma palestra por Lisa Cook, membro do Board of Governors do
Federal Reserve. Cook detalhou o crescimento acumulado do PIB, levando em consideração as contribuições da produtividade por hora trabalhada, horas por trabalhador ocupado, a proporção de trabalhadores ocupados na população e o total da população. Sua análise comparou os Estados Unidos, a zona do euro, o Reino Unido, o Canadá e a Austrália.
Entre o quarto trimestre de 2019 e o segundo trimestre de 2024, o PIB dos Estados Unidos cresceu 10,7%, enquanto a zona do euro registrou um aumento de apenas 4,2%, e o Reino Unido, de 2,9%. A produtividade foi o principal impulsionador desse crescimento nos Estados Unidos, ao passo que na zona do euro e no Reino Unido sua contribuição foi modesta. O crescimento no Canadá e na Austrália também foi mais próximo do observado nos Estados Unidos, com aumentos de 5,5% e 9,6%, respectivamente, mas novamente sem contribuição significativa da produtividade.
Embora a produtividade nos Estados Unidos já fosse superior à das outras economias avançadas antes da pandemia, a diferença se ampliou consideravelmente no período pós- pandemia, sugerindo que fatores estruturais possam ter acentuado essa divergência no crescimento.
Uma análise técnica realizada por pesquisadores do Fed, intitulada “Why is the U.S. GDP recovering faster than other advanced economies?”, examina algumas razões que explicam o crescimento acelerado da economia americana após a pandemia. Um dado relevante é o aumento substancial na criação de empresas nos Estados Unidos a partir do segundo semestre de 2020. Em contraste, na zona do euro, a criação de empresas retornou à tendência pré-pandemia, sem recuperar a queda registrada no início da crise sanitária.
Além da maior dinâmica no ambiente de negócios, os dados indicam a maior flexibilidade do mercado de trabalho americano. Desde a recessão gerada pela pandemia, a realocação setorial de trabalhadores nos Estados Unidos foi três vezes maior do que na zona do euro. Este fenômeno reflete a adoção de políticas de manutenção de empregos na Europa, que, embora tenham contribuído para mitigar a perda de postos de trabalho durante a crise sanitária, podem ter dificultado a necessária reorganização das empresas diante de novas tecnologias, como o trabalho remoto e a inteligência artificial generativa.
Evidências indicam que algumas reformas, particularmente na área trabalhista, contribuíram para a melhoria do mercado de trabalho nos Estados Unidos. A principal lição que pode ser extraída dessa experiência é que a redução de entraves para a criação de empresas e a realocação de trabalhadores são fundamentais para sustentar o crescimento nos próximos anos.
Cenário Doméstico
Desde maio, os ativos financeiros domésticos têm exibido uma maior instabilidade, com comportamento persistentemente negativo nos últimos dois meses. Após atingir um pico de 137 mil pontos no início de setembro, a bolsa brasileira tem oscilado em torno de 130 mil pontos. Nesse mesmo período, o câmbio saltou de um patamar próximo a R$ 5,40 para se aproximar de R$ 5,90, e o contrato futuro de juros de um ano subiu de cerca de 11,50% para quase 13,00%.
Esse movimento pode ser surpreendente, dada a aparente estabilidade econômica, com crescimento elevado e inflação relativamente controlada. Portanto, tem sido interpretado por muitos como um exagero, com eventuais associações às preferências ideológicas dos operadores de mercado. Contudo, existem argumentos que contradizem essa visão. Um dos principais pontos é que, embora o ambiente político no Brasil continue polarizado, o mercado tem demonstrado oscilações independentemente de quem esteja no governo. Por exemplo, as incertezas fiscais de 2021 geraram movimentos de tensão semelhantes na bolsa e no câmbio, enquanto, em 2023, o otimismo predominou nos mercados.
Embora seja desafiador determinar se os prêmios praticados nos mercados são exagerados, o aumento das incertezas, tanto globais quanto locais, é um fator plausível para justificar os preços observados na bolsa, juros e câmbio. A principal mudança vem do cenário externo, no qual o humor dos investidores se deteriorou em relação a 2023. A volta do risco inflacionário, mesmo com a queda nos preços das matérias-primas devido à expectativa de menor crescimento global, tem contribuído para esse quadro.
A expansão fiscal e o aumento do endividamento público têm se mostrado fenômenos generalizados, provocando
desequilíbrios no mercado de trabalho em muitos países. Embora o impulso fiscal estimule a contratação de mão de obra, programas de transferência de renda e novas tecnologias têm incentivado a saída de trabalhadores do mercado. Além disso, a crise climática e as incertezas geopolíticas elevam o risco de novos choques de oferta, ampliando as dúvidas sobre a trajetória da inflação e a reação dos bancos centrais.
Esse movimento também foi intensificado pelo chamado “Trump Trade”. Apesar de possíveis impactos das inovações tecnológicas sobre a produtividade, as propostas de estímulos fiscais, fechamento comercial e controle da imigração são vistas como inflacionárias, o que pode frustrar as expectativas de uma queda prolongada da taxa de juros e de reaceleração do crescimento global. Como consequência, a alta dos juros internacionais e o temor de maior volatilidade geopolítica e comercial têm reduzido o crescimento e elevado a aversão ao risco, impactando negativamente os fluxos de capitais para os mercados emergentes.
No contexto global mais desafiador, os temas locais ganham relevância. No Brasil, a desconfiança em relação às respostas de política econômica tem sido um dos principais fatores destacados nos últimos meses. Do ponto de vista fiscal, o país enfrenta vários desafios. Embora a instabilidade financeira e econômica sirvam como incentivo para ajustes, não está clara a vontade política de adotar uma agenda de estabilização que seja suficiente para aumentar a credibilidade nas regras fiscais e estabilizar a dívida pública.
A forte expansão dos gastos no início do mandato, a estratégia fiscal baseada em receitas com pouca transparência, a memória das gestões passadas, o discurso político favorável ao aumento de gastos e o ambiente eleitoralmente competitivo que incentiva estímulos de crescimento de curto prazo são elementos que dificultam uma agenda fiscal de longo prazo. No campo monetário, a piora das condições financeiras e a elevação dos juros reais geram efeitos contracionistas sobre a economia. Mesmo assim, a pressão cambial e as incertezas sobre as preferências e estratégias da próxima gestão do Banco Central, especialmente durante o ciclo eleitoral, dificultam a convergência das expectativas de inflação. Diante da dificuldade de antecipar as respostas do governo a um cenário global desfavorável, é natural que os prêmios de risco nos principais ativos financeiros aumentem. No caso do câmbio, a piora do risco global e local compensa amplamente o aumento do diferencial de juros a favor dos ativos locais.
Assim como o câmbio esteve apreciado e descolado de seus fundamentos em 2023, a deterioração do quadro global e fiscal pode fazer com que a moeda flutue acima dos níveis sugeridos pelos fundamentos nos próximos meses. As incertezas também pressionam o mercado futuro de juros, ampliando as dúvidas normalmente associadas aos processos de aperto monetário. Por fim, há pouca confiança na bolsa, uma vez que a alta dos juros, o aumento da aversão ao risco global, as incertezas locais e a queda nos preços das commodities justificam a saída dos investidores estrangeiros do mercado acionário.
Assim, o argumento de comportamento ideológico pode estar sendo utilizado como uma maneira de desviar a atenção das fragilidades dos fundamentos econômicos, o que apenas agrava o estresse financeiro, lembrando o cenário de 2015, quando os problemas foram minimizados e atribuídos à mídia como responsáveis pela crise.
Neste sentido, a recepção negativa ao recente pacote fiscal anunciado pelo governo, que combina a proposta de ampliação da faixa de isenção do Imposto de Renda com medidas de corte de despesas, reflete o ambiente de incertezas econômicas e políticas. Embora a retórica de compromisso com a responsabilidade fiscal tenha acalmado parcialmente os mercados, o ceticismo permanece elevado, uma vez que os detalhes das medidas ainda são vistos como insuficientes para estabilizar o cenário fiscal no curto prazo. A memória de gestões anteriores e a percepção de desalinhamento entre a política fiscal e as expectativas do mercado agravam o sentimento de insegurança. A combinação de maior pressão cambial, curva de juros inclinada e desempenho negativo da bolsa reflete um cenário desafiador para os ativos financeiros domésticos. Assim, a efetividade do pacote dependerá não apenas da aprovação legislativa, mas também de uma execução clara e convincente, capaz de mitigar os riscos percebidos e restaurar a confiança dos investidores.