Em sua carta mensal de Dezembro, a gestora de recursos independente Gávea, uma das principais do país, fez uma análise sobre a situação da economia brasileira, que vem sofrendo com pressões sobre os prêmios de risco e o real.
Na visão da gestora, dificilmente um ajuste das despesas fiscais será implementado pelo governo, primeiro “porque não existe um cardápio de medidas que não fira relevantes carências sociais ou poderosos interesses políticos ou ideologias arraigadas no partido do Presidente”, segundo que “o governo não se mostra convencido da necessidade do ajuste”.
Enquanto o Banco Central angariou credibilidade e conseguiu conter o avanço da inflação, sendo o primeiro BC a subir juros no período pós-pandêmico, a política fiscal fez “caminho inverso”.
“Mesmo com forte crescimento da arrecadação, o déficit primário aumentou nos últimos dois anos”, afirma a gestora.
“O crescimento das despesas explica em parte o aumento da renda das famílias, da ordem de 10% em dois anos, enquanto o IBC-BR (uma medida de atividade econômica) cresceu a metade. A diferença entre os dois dá uma ideia do excesso de demanda”.
O arcabouço fiscal, apresentado e aprovado em 2023, estabeleceu limites para o crescimento das despesas mas não conseguiu criar as condições necessárias para que a dívida pública brasileira se estabilizasse e, com a condução da política fiscal no ano passado, “ficou claro que a trajetória das despesas obrigatórias faria o arcabouço ruir em 2025 e 2026”.
“Em resumo, a política fiscal produziu, simultaneamente, superaquecimento e ceticismo sobre a sustentabilidade fiscal”, pontua a Gávea.
A gestora admite ser legítimo e desejável que o governo tenha interesse em expandir e redistribuir renda, mas que a política fiscal precisa ser calibrada para atingir esse objetivo.
“Os estímulos produzem mais emprego e renda, mas, além de um certo ponto, produzem inflação também. Se o BC não reage à inflação, o juro real cai levando a mais excesso de demanda e depreciação do Real. Ambos inflacionários. Esse é exatamente o ponto em que nos encontramos agora”, explica.
“Por isso o BC está subindo os juros. Entretanto, juros mais altos alimentam a dívida pública, exacerbando o ceticismo dos credores do governo”.
Esse cenário, na visão da gestora, é o “paradoxo do expansionismo fiscal”.
Para este ano, ela projeta que, com a desvalorização do real e as pressões de demanda, a inflação deve ser maior que no ano passado, o que implica em “mais trabalho” para o Banco Central e, consequentemente, “mais dívida nas mãos dos credores do governo”, o que leva a uma maior concentração de renda, exatamente o oposto do que deseja o Planalto.
“Caberia ao governo repensar sua política fiscal sob essa ótica. De que vale a expansão fiscal, que dá com uma mão, se a inflação e os juros tomam com a outra? O pior é que o ônus do aumento da dívida recai não só sobre a geração atual, mas sobre as gerações futuras”, conclui.
“Mas não existem indícios de que o governo venha a encarar a política fiscal dessa maneira. Aos seus olhos, o mundo do gasto primário está separado do mundo da inflação, do câmbio e dos juros. Sem perceber a conexão entre os dois é difícil se convencer de que deve repensar o fiscal”.