A gestora de recursos Kinea, ligada ao Itaú, publicou, nesta semana, sua carta mensal destinada aos cotistas de seus fundos e investidores em geral referente a Janeiro.
Nela, a gestora traça um paralelo entre o livro Fahrenheit 451, de Ray Bradbury, com a falta de disciplina fiscal que os governos recentes têm demonstrado mundo afora.
“Assim como a sociedade de Fahrenheit 451 destrói as bases de sua cultura, ao longo das últimas décadas governos ao redor do planeta vêm “queimando” as bases do equilíbrio das contas públicas – com falta de disciplina fiscal que pode aumentar os riscos para o controle inflacionário de longo prazo”, pontua.
“No livro, o caos social explode porque a destruição do conhecimento acumulado leva à fragilidade da sociedade. No contexto econômico atual, o aumento das taxas longas reflete, em certa medida, a resposta dos mercados em relação à quebra do alicerce de sustentabilidade fiscal”.
A gestora argumenta que, assim como no livro, onde a identificação do problema não acontece no curto prazo, “a degradação das bases fiscais também pode ser inicialmente ignorada até que as consequências se tornem inegáveis – com trajetórias de dívidas que passam a se mostrar divergentes ao longo do tempo” e, assim como na história os bombeiros, que deveriam proteger as pessoas, atuam, de forma paradoxal, prejudicando-as, na vida real, os governos, que deveriam ter responsabilidade fiscal, “agravaram o quadro pela adoção de políticas frouxas, em momentos de expansão econômica”.
Com relação aos Estados Unidos, o histórico de utilização de uma política fiscal contracíclica, quando se reduz os gastos em momentos de aceleração do crescimento econômico e os aumenta em momentos de desaceleração, foi rompido em suas últimas duas gestões, com o primeiro mandato de Trump cortando impostos e o governo Biden aumentando gastos, ambos em contexto “de crescimento forte”.
“Nesse sentido, a postura pró-cíclica gerou deterioração da posição fiscal, culminando em um déficit nominal na casa de 7%, número não muito diferente do apresentado pela economia brasileira”, afirma.
Para a Kinea, a saída para essa política pró-cíclica seria um pacote de corte de gastos, já que Trump deve seguir com redução de impostos em seu segundo mandato enquanto o Federal Reserve (FED), banco central do país, deve manter os juros elevados por mais tempo.
Ainda assim, a gestora acredita que isso será difícil de ser feito, o que leva a um cenário de déficit nominal elevado com baixo desemprego e uma inflação que ainda se recusa a convergir, fazendo com que os investidores “se mostrem reticentes em apostar na queda das taxas longas norte-americanas”.
Sendo assim, ela se mantém comprada nos títulos públicos dos Estados Unidos com vencimento mais longo.
Na Europa, tanto a França quanto o Reino Unido também enfrentam certa desconfiança com relação às respectivas situações fiscais, com a primeira passando por uma crise política onde partidos de ambos os espectros questionam e querem reverter uma reforma previdenciária que, caso atinjam seus objetivos, irá elevar os gastos públicos, enquanto a segunda passa por período onde o Partido Conservador, que detinha o poder, fez um pacote de corte de gastos “atabalhoado”, e o Partido Trabalhista, atualmente no poder, visa aumentar investimentos.
Nesse contexto, a Kinea mantém posição vendida nos juros curtos do Reino Unido, apostando que “a fraqueza da economia se
sobrepõe à inércia da inflação no curto prazo, na função de reação do Banco Central”, e na libra, já que o risco fiscal seria um fator adicional de pressão negativa.
Já com relação ao Japão, que está em processo de aumento da taxa de juros, o cenário segue sem grandes impactos nas contas públicas, mas, para a gestora, deve-se ficar atento, “uma vez que a curva japonesa – assim como a americana – também é importante âncora para o mercado global, dada a grande participação dos seus fundos de pensão nas compras e vendas de títulos públicos de diversos países”.
Por aqui, a situação fiscal é frágil, na visão da gestora, apesar do governo ter conseguido bater sua meta no ano passado.
Isso porque não existe confiança, por parte do mercado, que as metas deste ano e do ano que vem sejam cumpridas sem um ajuste duro dos gastos públicos, algo que se torna cada vez mais difícil dadas as perspectivas econômicas, com inflação crescendo, taxa Selic atingindo seu maior patamar em uma década e “uma economia que possivelmente entrará em recessão no segundo semestre”.
“A proximidade do calendário eleitoral certamente tornará toda e qualquer decisão de ajuste fiscal ainda mais difícil”, acrescenta.
Sendo assim, a gestora tem preferido operar vendida na bolsa de valores brasileira, em uma posição que tende refletir “a alta dos juros e da desaceleração da atividade”.
O Atlas II, um dos principais fundos da casa, registrou rentabilidade de 1,01% em Janeiro.