Na coluna de hoje, gostaria de discutir um assunto que tem atraído a atenção do mundo inteiro: as eleições presidenciais dos Estados Unidos, marcadas para o dia 5 de novembro de 2024. A proximidade desse evento, que ocorrerá em cerca de dois meses, desperta um interesse global que se justifica pelo papel dos EUA como potência econômica e política mundial. Mas por que essas eleições são tão importantes, não só para o Brasil, mas para todo o mundo?
Primeiro, é fundamental entender que o dólar ainda é a moeda de referência internacional, usada em transações globais e como reserva de valor para muitos países. Embora mudanças recentes estejam atenuando essa centralidade, o dólar permanece um pilar da economia global. As decisões que o governo dos EUA tomar sobre onde alocar recursos e como gastar impactam diretamente a economia americana, influenciando as taxas de emprego, o desempenho das empresas e a direção da produção econômica. Esses fatores, por sua vez, afetam a inflação nos EUA, o valor do dólar e as taxas de juros definidas pelo Federal Reserve (FED). Se o FED decide aumentar as taxas de juros, o retorno sobre os títulos do governo dos EUA, considerados um dos investimentos mais seguros do mundo, também aumenta. Isso eleva o custo de capital globalmente, pois investidores exigirão retornos maiores em qualquer outra aplicação com risco.
Para o Brasil, essa realidade tem consequências diretas. Por exemplo, o Banco Central do Brasil enfrenta limitações para reduzir a taxa SELIC, a taxa básica de juros, se as taxas do FED permanecem altas. Isso porque uma diferença muito grande entre as taxas de juros dos dois países pode levar a uma fuga de capitais, com investidores preferindo o dólar ao real, o que poderia desvalorizar ainda mais nossa moeda.
No campo da geopolítica, uma mudança de partido no poder nos EUA pode alterar significativamente o cenário global. A quem os EUA decidem apoiar em conflitos internacionais de relevância, como as situações na Ucrânia ou em Israel, tem grande importância. Se os EUA, por exemplo, decidirem reduzir seu apoio à Ucrânia, isso mudaria completamente os cálculos dos outros atores envolvidos. Um exemplo claro foi a retirada dos EUA do Afeganistão em 2021, que permitiu ao Talibã retomar o controle do país, algo que provavelmente não teria acontecido se os EUA tivessem permanecido ou adotado outra estratégia.
Além dessas influências diretas, não podemos esquecer o papel crucial que os EUA desempenham em organizações internacionais e multilaterais, o que amplifica ainda mais o impacto de suas eleições sobre o Brasil e o mundo. Os EUA são o maior acionista do Banco Mundial, detendo cerca de 15% dos votos, o que lhes confere uma influência significativa sobre as políticas de desenvolvimento global. No Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), essa influência é ainda maior, com os EUA detendo 30% dos votos, o que lhes dá um poder decisivo sobre as direções que o banco toma em projetos na América Latina, incluindo no Brasil.
Na arena diplomática, os EUA também possuem uma influência global imensurável através de seu assento permanente no Conselho de Segurança da ONU, onde têm poder de veto. Este é um dos cinco votos que podem bloquear qualquer resolução importante, ao lado de Rússia, China, França e Reino Unido. Esse poder de veto permite que os EUA controlem ou influenciem significativamente as pautas globais de segurança e as principais resoluções da ONU, afetando diretamente os rumos de conflitos e crises internacionais.
No contexto da política brasileira, a influência dos EUA também é histórica. o Durante o governo de Juscelino Kubitschek (1956-1961), os Estados Unidos influenciaram significativamente a política de infraestrutura do Brasil, especialmente no Plano de Metas, que priorizava a construção de rodovias para integrar o país. Com apoio técnico e financeiro americano, o governo brasileiro adotou um modelo rodoviário, favorecendo a indústria automobilística, em detrimento das ferrovias e hidrovias. Essa ênfase nas estradas, contribui até hoje para uma dependencia enorme do Brasil aos combustiveis fosseis, diminui a eficiencia dos transportes num país de tamanhos continentais (ferrovia e hidravia apresentam soluções com custos variaveis significantemente menores do que o transporte rodoviario), aumentando assim os custos de produção – e logo- a competitividade do país.
Os Estados Unidos desempenharam um papel crucial na ditadura militar brasileira, que teve início com o golpe de 1964. Temendo a expansão do comunismo na América Latina durante a Guerra Fria, os EUA apoiaram ativamente a deposição do presidente João Goulart, rapidamente reconhecendo o novo regime e fornecendo ajuda econômica e treinamento militar ao longo dos anos de ditadura. Esse apoio, apesar das crescentes denúncias de violações de direitos humanos, foi fundamental para a estabilidade do regime e para a consolidação de um modelo autoritário no Brasil. A herança econômica dessa aliança é evidente: um acúmulo significativo de dívida externa que, combinado com políticas internas, levou o país a uma grave crise fiscal e inflacionária nos anos 1980. Esse período, conhecido como a “década perdida,” foi marcado por estagnação econômica e desequilíbrios macroeconômicos que deixaram cicatrizes profundas no desenvolvimento do Brasil por anos a fio.
Ainda hoje, os Estados Unidos exercem uma influência enorme na política brasileira, refletida em uma curiosa “mimetização” das tendências políticas norte-americanas. Um exemplo claro disso foi o impacto da eleição de Donald Trump em 2016. No Brasil, essa vitória teve um efeito direto, levando à ascensão de Jair Bolsonaro em 2018, cujas táticas de comunicação e políticas eram notavelmente semelhantes às de Trump. O uso intenso das redes sociais, a retórica populista e o confronto direto com a mídia e as instituições foram marcas registradas de ambos os líderes.
A influência dos EUA na política brasileira não parou por aí. Em 2020, vimos a oposição americana se unir para derrotar Trump, resultando na eleição de Joe Biden, que capitalizou em parte no legado de Barack Obama. De forma semelhante, no Brasil, Lula retornou ao cenário político, unindo a oposição a Bolsonaro e vencendo as eleições de 2022. Este movimento de união da oposição, que resgata o legado de um líder anterior para derrotar um populista em exercício, é mais um exemplo de como os acontecimentos nos EUA ressoam em nosso contexto político.
Essa influência ficou ainda mais evidente com os eventos dramáticos que se seguiram às eleições. Nos EUA, o mundo assistiu à invasão do Capitólio em 6 de janeiro de 2021, quando apoiadores de Trump tentaram reverter o resultado eleitoral. Pouco mais de dois anos depois, em 8 de janeiro de 2023, o Brasil passou por uma situação assustadoramente semelhante, com a invasão e destruição de instituições federais como o Palácio do Planalto e o Congresso Nacional em Brasília. Esses episódios, embora ocorridos em diferentes países, compartilham raízes comuns na polarização política e no descontentamento popular, reforçando como os acontecimentos nos EUA têm um efeito cascata em nossa política. Portanto, o que ocorrer nas próximas eleições americanas em 2024 certamente influenciará, direta ou indiretamente, o cenário político brasileiro em 2026.
Em resumo, as eleições presidenciais dos Estados Unidos em 2024 não são apenas um evento isolado de interesse americano, mas um acontecimento com profundas repercussões globais, especialmente para o Brasil. As decisões tomadas em Washington têm o poder de moldar tanto o cenário econômico quanto o político em nível mundial, afetando taxas de juros, políticas de comércio, e até mesmo a estabilidade de regiões inteiras. Além disso, a influência cultural e política dos EUA sobre o Brasil é inegável, como vimos nas recentes “mimetizações” políticas entre os dois países. Por isso, devemos estar atentos aos sinais e desdobramentos dessas eleições, pois eles podem indicar tendências e movimentos que impactarão diretamente o Brasil em 2026. No próximo blog, discutiremos mais detalhadamente como funcionam as eleições americanas e como interpretar os sinais para entender a direção que essas eleições estão tomando.