Primeiramente, feliz ano novo a todos. Esperemos que 2024 seja um ano melhor que 2023 para todas as pessoas, famílias, para o mundo e também para os seus investimentos.
Sabemos, porém, que estes últimos enfrentam riscos permanentes e esse ano não é diferente nisso. Inclusive, grandes riscos ameaçam a economia da região e a economia global num horizonte próximo. Informação é poder e preparação é a melhor forma de enfrentar mares turbulentos. Vamos então discutir um deles e seus possíveis impactos.
Os estreitos e a navegação
Desde os primórdios da navegação, os estreitos são áreas de extrema importância geopolítica. Estreitos, na navegação, são passagens marítimas de pouca amplitude, o que garante grande poder de controle sobre embarcações a quem quer que seja que controle as margens ao redor dessas passagens. Para mencionar alguns, o estreito de Gibraltar controla o acesso ao mar mediterrâneo, e assim todo o acesso aos portos do norte da África, aos do sul da Europa e aos do oeste do Oriente Médio. O estreito de Bósforo controla o acesso ao Mar Negro, e assim a diversos portos do leste europeu. O estreito de Ormuz controla o fluxo do golfo persa e assim o acesso aos maiores portos exportadores de petróleo. Todos já foram palcos de grandes conflitos ou foram decisivos a conflitos e continuam sendo pontos cruciais para a navegação e assim para o comércio mundial.
O Canal de Suez
Ainda nessa perspectiva, dois pontos muito importantes para o comércio marítimo e para a navegação, em geral, são o canal de Suez (1869) e o canal do Panamá (1914). A especificidade destes dois é que foram criados por humanos (não pela natureza, como os outros) para facilitar consideravelmente a navegação intercontinental. O canal do Panamá permite aos navios vindos da África e Europa cortar a América pelo meio e assim acessar toda a parte Oeste do globo sem ter que dar a volta pelos polos ou ainda pela Ásia. O canal de Suez permite o comércio entre ocidente e oriente do globo sem ter que dar a volta na África. Nos dois casos, o custo do comércio marítimo foi drasticamente reduzido por essas possibilidades. Com isso, tanto o canal do Panamá quanto o de Suez se tornaram as mais importantes passagens de comércio marítimo do mundo.
O conflito em Gaza e o canal de Suez
Conflitos como os que estão atualmente ocorrendo em Gaza, tem aos poucos incluído outros atores da região – o que tem aumentado o impacto sobre a rota de comércio que passa pelo canal de Suez. Uma das maiores preocupações na região do estreito de Bab-el-Mandeb, que separa o Mar Vermelho do Golfo de Áden, é a entrada no conflito do grupo Iemenita “Houthis”. Com isso, diversas embarcações que passam pelo canal de Suez, tem sido alvo de ataques no estreito mencionado (veja abaixo).
Quem são os Houthis?
Os Houthis, também conhecidos como Ansar Allah (apoiadores de Deus), são um grupo armado que controla a maioria das partes do Iêmen, incluindo a capital, Sanaa, e algumas áreas do oeste e norte próximas à Arábia Saudita. Os Houthis surgiram na década de 1990, mas ganharam destaque em 2014, quando o grupo se rebelou contra o governo do Iêmen, levando-o a renunciar e desencadeando uma grave crise humanitária.
Posteriormente, o grupo passou anos lutando, com o apoio do Irã, contra uma coalizão militar liderada pela Arábia Saudita. As duas partes beligerantes também tentaram realizar repetidas vezes negociações de paz. No entanto, analistas afirmam que o grupo xiita não deve ser visto como um representante direto do Irã. Os Houthis têm sua própria base, seus próprios interesses e ambições.
(Trecho retirado da Al Jazeera)
O grupo clama ter iniciado os ataques como forma de apoio a Gaza e de pressão para que os atores internacionais atuem mais fortemente para que o conflito entre Israel e Hamas termine. Em desenvolvimentos mais recentes, os EUA e Reino Unido começaram a retaliar os ataques do grupo, aumentando as tenções e atores envolvidos nos conflitos na área.
O impacto no comércio global
Quando a opção de utilizar o canal de Suez não é viável, a rota se torna muito mais longa. Com isso, todos os custos aumentam. Combustível, pagamento de pessoal, mantimentos para toda a tripulação, perda de perecíveis, refrigeração, entre tantos outros. A eficiência também é reduzida. Se um trecho era antes feito em 25 dias (veja abaixo), ele é agora feito em 34. Isso significa que um navio que faria 4 viagens em 100 dias agora faz 3. Isso reduz o fornecimento de todo material e produtos comercializados e com isso aumenta escassez e aumenta custos tanto de produtos diretamente quanto a produção de outros. Naturalmente, isso traz inflação.
Estimativas feitas pela Lloyd’s List mostram que bloqueios no canal de Suez podem atrasar cerca de 9,6 bilhões de dólares em comércio ao longo da hidrovia todos os dias. Isso equivale a US$ 400 milhões e 3,3 milhões de toneladas de carga por hora, ou US$ 6,7 milhões por minuto.
Com os atuais atritos na região, o preço de transporte por vias marítimas passando pela região tem aumentado significantemente. Os aumentos de riscos, desvios de rotas e todos os outros fatores comentados, tem impactado negativamente e fortemente nos preços de cargo. Por exemplo, o Shanghai Containerized Freight Index (SCFI) – índice que mede o custo de transporte cargueiro desde a China – com base Europa – quadruplicou desde o início do conflito (veja abaixo).
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Para termos uma noção, a China é de longe o maior exportador de bens e serviços para a Europa. Em 2021, os países da união Europeia importaram da China (USD 559 bilhões) mais do que o dobro do que importaram dos EUA (USD 273 bilhões).
O que esperar?
Como vimos acima, a crise no canal de Suez trouxe rapidamente impactos fortes ao comércio marítimo – sobretudo ao que utiliza essa rota. Porém todos os custos nesse ramo são altamente relacionados. Preço maior em rota A pode atrair mais navios e empresas e impactar nas rotas B, C e D. Não somente isso, mas quando se trata de comércio internacional, tudo é altamente interligado e insumos que não chegam da China à Europa não produzem produtos que chegam na América. Tudo isso para dizer que os próximos reflexos devem ser no mercado de insumos industriais e aos poucos devem refletir aos consumidores finais.
A dimensão do impacto, porém, pode não ser tão grande quando levado em consideração a dispersão pelos mercados. O dano à rota, embora já alto para muitos países, se mantém consideravelmente inferior em relação aos que ocorreram durante a pandemia. Assim, os impactos também devem se manter consideravelmente inferiores – ao menos por hora. É importante manter-se atualizado sobre os desenvolvimentos dos conflitos e suas repercussões. Mercados mais dependentes do comércio da rota podem sempre sofrer oscilações maiores.
Quanto ao conflito Israel-Gaza, os possíveis cenários são diversos e dependem do movimento de muitos atores. Ao que tudo indica, os maiores players parecem estar cada vez mais reticentes a um envolvimento direto nos conflitos em Gaza. Diversos esforços diplomáticos estão sendo feitos, em vários sentidos, para reduzir os atritos e tentar achar soluções. O que preocupa em relação à extensão do conflito são as repercussões indiretas em relação a estabilidade no Oriente Médio como um todo. Não só há de se observar o estreito de Bab-el-Mandeb, mas também o Libano, as reações do Irã, as proporções do envolvimento dos EUA, entre outros.