Em nossa sociedade e economia, a produção de bens e o consumo global são influenciados por três fatores básicos: preço ao consumidor, custo de produção e lucro. De maneira simples, o lucro é o que sobra para as empresas do preço ao consumidor após a dedução do custo de produção. Em termos econômicos básicos, isso é representado por: Preço – Custo = Lucro. Esse princípio é amplamente conhecido e é um dos fundamentos da economia.
Outro fator fundamental que orienta a lógica de produção é a oferta e a demanda. Geralmente, as decisões de produção são guiadas por essa lógica de mercado: maior demanda leva a preços mais altos ao consumidor, o que aumenta a produção pelas empresas. Da mesma forma, menor demanda leva a preços mais baixos e, consequentemente, menor produção.
Ainda seguindo essa lógica, mas olhando pelo outro lado da moeda, custos mais altos de produção desincentivam a produção – porque muitas vezes as empresas não conseguem aumentar o custo do produto ao consumidor final – e isso diminui o lucro – e logo- o incentivo a produzir. Por outro lado, dado um o preço ao consumidor de um produto, se o custo de produção cai, aumenta o incentivo pra se produzir aquele bem, visto que assim é possível aumentar o lucro.
Para ilustrar, vamos considerar o exemplo dos televisores. Existem centenas de empresas produzindo televisores, competindo entre si. Os preços são estabelecidos pela oferta e demanda global, sendo difícil para uma empresa isolada influenciar esses preços. Suponha que o custo de produção de um televisor seja atualmente de 200 reais, enquanto o preço médio de venda seja 500 reais. O lucro seria de 300 reais por televisor. Se o custo de produção subir para 400 reais, o lucro cairia para 100 reais, desestimulando a produção. Algumas empresas podem até sair do mercado devido aos altos custos. Por outro lado, se o custo de produção cair para 100 reais, o lucro aumentaria para 400 reais, incentivando muitas empresas a entrar no mercado e aumentar a produção.
Essa lógica se aplica a praticamente todos os bens e produtos no mundo. Um custo de produção mais baixo incentiva a produção e, muitas vezes, reduz o preço final ao consumidor, incentivando o consumo. Quantas vezes compramos coisas que não precisamos só porque estavam baratas? Quanto de água e energia desperdiçamos porque o preço não é alto? Assim, vivemos em uma lógica onde o custo de produção determina a quantidade produzida – e isso influencia no preço ao consumidor e na quantidade consumida.
Os custos de produção incluem vários fatores: salários, custo dos insumos, tecnologia empregada, transporte, seguros, etc. No entanto, uma coisa que raramente é considerada é o custo social (ou benefício social) causado por uma transação econômica. E aqui entra nosso herói do dia, o economista britânico Arthur Pigou. Pigou desenvolve no início do século XX A teoria da externalidade. Essa teoria trata dos efeitos colaterais das atividades econômicas que afetam terceiros não envolvidos diretamente na transação. Essas externalidades podem ser positivas (benefícios) ou negativas (custos).
- Por exemplo, uma externalidade positiva ocorre quando uma empresa de tecnologia desenvolve um aplicativo de navegação que utiliza dados de tráfego em tempo real. Isso não só beneficia os usuários do aplicativo, mas também melhora o fluxo de trânsito na cidade, reduzindo congestionamentos e economizando tempo para todos os motoristas, mesmo aqueles que não usam o aplicativo.
- Por outro lado, uma externalidade negativa é exemplificada por uma fábrica que despeja resíduos químicos em um rio, poluindo a água, matando peixes e destruindo o ecossistema aquático. Os pescadores locais e as comunidades ribeirinhas sofrem, perdendo suas fontes de alimento e renda, e a saúde pública é impactada sem que a fábrica arque com esses custos.
Essa fábrica, ao não tratar seus resíduos, está externalizando parte de seus custos, transferindo-os para a indústria da pesca e para os cofres públicos que terão que tratar a saúde da população e a água poluída. Se a fábrica tratasse seus despejos para não impactar outros negócios e a população, seu custo de produção aumentaria e ela provavelmente teria menos incentivos para produzir.
O maior problema dos nossos meios de produção, atualmente, é que a maioria das produções não considera o custo das externalidades negativas. Por exemplo, indústrias de fast fashion produzem a custos baixíssimos, gerando grandes quantidades de lixo e poluição aquática. A indústria de carvão e petróleo emite grandes quantidades de gases de efeito estufa e poluentes atmosféricos, cujos custos ambientais e de saúde pública não são refletidos no preço da energia produzida. A agricultura intensiva polui o solo e a água com fertilizantes e pesticidas, contribuindo para a degradação do solo e a perda de biodiversidade, custos não incorporados nos preços dos produtos agrícolas. A mineração causa danos ambientais significativos, como a contaminação de águas subterrâneas e superficiais com metais pesados, custos de recuperação ambiental e impactos na saúde das comunidades locais que não são contabilizados no preço dos minerais extraídos.
Esses exemplos mostram que, atualmente, estamos produzindo muito mais do que deveríamos, ignorando custos que deveriam ser considerados na cadeia de produção. Esses custos são pagos socialmente através da saúde pública, da perda de qualidade de vida, das mudanças climáticas, aumento de enchentes, secas, desastres “naturais”, piora da qualidade do ar, contaminação das águas, entre outros fatores.
Economicamente, essa é uma das formas de explicar didaticamente – o porquê nosso modo de produção hoje não é compatível com a realidade em que vivemos – e porque nosso modo de produção não é sustentável. No sentido também de não ser possível levar isso a longo prazo. As consequências estão cada vez mais visíveis e próximas. Tragédias, como as enchentes no Rio Grande do Sul, são exemplos de como as externalidades ambientais e climáticas impactam a sociedade.
Gostaria eu aqui de poder ser otimista, mas enquanto continuarmos produzindo e consumindo a custos artificialmente baixos e em quantidades excessivas, a situação não vai melhorar. Todos os anos, dezenas de estudos de organismos internacionais e nacionais, como a ONU, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), o Banco Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento, alertam sobre as consequências devastadoras das mudanças climáticas e ambientais que enfrentaremos.
O que eu quero chamar a atenção aqui é que precisamos repensar como produzimos e consumimos, considerando os custos escondidos das externalidades negativas. Vimos que a busca por lucro rápido e produção barata tem um preço alto para o meio ambiente e a sociedade. Para garantir um futuro sustentável, é crucial incluir esses custos sociais e ambientais na nossa lógica econômica. Só assim conseguiremos reduzir os impactos das mudanças climáticas e criar um mundo mais justo e equilibrado para todos.
Vamos de visual pra quem é de visual, e de economia pra quem gosta de economia:
- Dada uma curva de demanda bem típica (laranja), quanto maior o preço final ao consumidor, menor será a quantidade demandada.
- Quando o preço é pequenininho, a quantidade demanda é bem grande.
- Compliquemos com uma curva típica de produção relativa ao preço. Para o cenário A assumimos um custo fixo. Dado esse custo, quanto maior o preço do produto, maior o incentivo a produzir. Nesse cenário, porém, os custos de externalidade não estão inclusos.
- Quando adicionamos os custos de externalidade na produção, essa curva é jogada para a esquerda – porque os incentivos mudam – agora para cada quantidade produzida, o preço ao produtor final precisa ser maior para que seja atrativo para e empresa produzir.
- Assim temos que no cenário A, a curva de oferta e de demanda (o chamado equilíbrio econômico) está estabelecido no preço 1 (menor) e quantidade 1 (maior). No cenário B, o ponto onde as curvas se encontram é em B, num preço 2 (maior) e quantidade 2 (menor).
- Em resumo, isso basicamente mostra que se levássemos em conta as externalidades negativas na produção, produziríamos menos e consumiríamos menos.