Cenário Internacional
A reação dos investidores à última divulgação da ata da última reunião do Comitê Federal de Mercado Aberto (FOMC) foi, sem dúvida, exagerada, uma vez que o documento já se encontrava obsoleto. A última decisão de política monetária do Federal Reserve (Fed) ocorreu antes da divulgação do índice de preços ao consumidor (CPI) referente a abril nos Estados Unidos, que surpreendeu positivamente ao apresentar um resultado abaixo do esperado, proporcionando alívio.
Dessa forma, não se pode interpretar literalmente o trecho da ata que menciona que “vários dirigentes” do Fed admitiram a possibilidade de voltar a elevar os juros americanos. O documento foi interpretado de maneira mais “hawkish“, em consonância com os discursos recentes de diversos dirigentes do banco central americano. Contudo, o cenário mudou com a surpresa para baixo do núcleo do CPI de abril, a primeira desaceleração dos preços subjacentes nos EUA em 2024. Portanto, o fato de o índice Dow Jones ter registrado o pior pregão do mês, caindo quase 202 pontos no referido dia, não deve ser atribuído exclusivamente ao teor da ata do FOMC. A ata foi apenas um gatilho para a correção dos ganhos recentes, servindo como pretexto para realização de lucros. Tanto que a queda nos índices S&P 500 e Nasdaq foi mais modesta no mesmo dia.
O índice DXY, que mede a variação do dólar ante seis moedas fortes, subiu 0,26%, para 104,933, enquanto a alta em relação ao real brasileiro foi de 0,77%. Ou seja, a depreciação do câmbio no Brasil não se deveu exclusivamente ao estresse causado pela ata do FOMC.
De qualquer forma, olhando para o futuro, o que determinará o desempenho dos ativos de risco, como as bolsas de valores e as moedas emergentes, será o resultado dos próximos índices de inflação nos EUA e dos indicadores do mercado de trabalho naquele país. Não é por acaso que continuará havendo grande atenção do mercado para as leituras do índice de preços de gastos com consumo (PCE).
Alguns analistas importantes, inclusive, ainda mantêm a aposta de que o primeiro corte de juros nos EUA ocorrerá na reunião do FOMC de julho. É o caso dos economistas do Citi, liderados por Andrew Hollenhorst. Surpresas para baixo no núcleo do PCE poderão até fazer com que outros analistas se juntem ao Citi na projeção do primeiro corte de juros em julho, e não em setembro, como uma corrente significativa do mercado ainda aposta. Contudo, é necessário mencionar que existem os mais pessimistas. Por exemplo, o CEO do banco Goldman Sachs, David Solomon, declarou que considera improvável um corte de juros pelo Fed neste ano. Tal declaração, feita durante um evento em Boston logo após a divulgação da ata do FOMC, teve impacto no mercado.
No entanto, muitos ainda esperam que os próximos índices de inflação e do mercado de trabalho americano revertam as projeções dos mais pessimistas, como as do CEO do Goldman Sachs. Resta aguardar.
Cenário Doméstico
Desde meados de julho do ano passado, as expectativas de inflação de longo prazo têm apresentado um comportamento atípico e preocupante. Primeiramente, porque as expectativas para períodos superiores a dois anos permanecem estagnadas em 3,50% há 10 meses na pesquisa Focus. Em segundo lugar, os máximos das projeções e,
consequentemente, os desvios padrões estão próximos dos picos históricos. Tanto a razão entre os máximos projetados e a meta de inflação quanto os desvios padrões só perdem para o observado no final de 2015 e primeiro trimestre de 2016, período marcado por aceleração inflacionária e, principalmente, grande incerteza institucional.
Ao abordar este tema no início do ano, destacamos a peculiaridade das expectativas de longo prazo desancorarem da meta em um ambiente de desinflação, e identificamos dois principais suspeitos: a falta de credibilidade no marco fiscal e a redução da credibilidade do Banco Central. Ambos os suspeitos estavam relacionados a eventos futuros, como seria esperado. As expectativas de inflação de longo prazo deveriam ser menos sensíveis a flutuações ou choques de curto prazo e mais influenciadas por vetores de longo prazo.
No que diz respeito à política fiscal, a falta de credibilidade no marco fiscal mostrou-se correta. Os gastos federais, excluindo o pagamento de precatórios, que cresceram 7,5% acima da inflação em 2023, aceleraram para 11% no primeiro trimestre deste ano. Ainda mais impactante, a trajetória da meta primária aprovada em agosto de 2023 foi alterada, reduzindo o resultado primário a ser perseguido em 2025 de superávit de 0,5% do PIB para zero e postergando o comprometimento de alcançar o superávit de 1% do PIB de 2026 para 2028, próximo governo.
Em relação à mudança da composição da diretoria do Banco Central em 2025, a teoria econômica justifica a
cautela. A perspectiva de uma nova liderança mais leniente com a inflação reduz o poder da meta de influenciar as expectativas. Nesse sentido, o dissenso na última reunião de política monetária intensificou o debate.
De fato, um exercício empírico que tenta capturar a credibilidade da política monetária via influência da meta de longo prazo na formação das expectativas demonstra que a confiança estava relativamente baixa no início de 2023, quando foi cogitada a elevação da meta de inflação, e alcançou 90% em julho com a manutenção da meta em 3% e a perspectiva da aprovação de novas regras fiscais. No entanto, essa confiança tem diminuído nos últimos meses, refletindo a proximidade da possível transição de liderança, assim como a mudança no compromisso fiscal de longo prazo.
A fixação da meta em 3% no longo prazo ainda não foi regulamentada, o que também contribui para a desancoragem das expectativas. Mas o que explica a tendência de alta do desvio padrão das projeções, assim como a razão entre os máximos e a meta? Principalmente, diante da manutenção das projeções de resultado primário de longo prazo inalteradas.
O Banco Central está correto ao evidenciar a desancoragem das expectativas e reforçar o compromisso com o alcance da meta de 3%. Contudo, acreditamos que as razões que sustentam o comportamento das expectativas são importantes e devem ser exploradas. Somente elas fornecerão as recomendações corretas de política monetária, que não necessariamente passam pelo fim do ciclo de corte dos juros, como a curva de juros precifica atualmente. O compromisso com a estabilidade da relação dívida/PIB – que exige contenção de gastos – e o contínuo fortalecimento institucional do Banco Central são essenciais nesta cruzada.