Cenário Internacional
Na atualização dos “dot plots”, divulgada durante a Ăşltima reuniĂŁo do ComitĂŞ Federal de Mercado Aberto (FOMC, em inglĂŞs), a maioria dos dirigentes do Federal Reserve (Fed) passou a projetar quatro cortes de juros em 2025. No entanto, todo esse orçamento de reduções da taxa básica dos Estados Unidos pode nĂŁo se concretizar dependendo de um fator decisivo: se o republicano Donald Trump vencer a eleição presidencial americana em novembro. Isso porque, durante o mĂŞs de junho, Trump, em discursos e declarações pĂşblicas, reforçou a percepção entre analistas e investidores de que sua polĂtica econĂ´mica será bem mais inflacionária do que a de seu rival Joe Biden, que tenta a reeleição.
Na receita de polĂtica econĂ´mica que vem sendo alardeada por Trump está a renovação de reduções de impostos pagos pelas corporações e tambĂ©m pelos contribuintes pessoas fĂsicas dos EUA. E, se eleito, o republicano pretende financiar esses cortes de impostos com um aumento generalizado de tarifas de importação de produtos. Conforme o site FiveThirtyEight, na mĂ©dia nacional das pesquisas de intenção de votos, Trump está liderando Biden por apenas 1,1 ponto percentual (41,1% a 40%), mas nos chamados “swing states”, ou estados pĂŞndulos, decisivos nos Ăşltimos pleitos, como Arizona, GeĂłrgia e Pensilvânia, a vantagem de Trump Ă© mais confortável.
Em encontro com executivos de grandes empresas, durante o mĂŞs de junho, Trump mencionou a intenção de um corte de 20% nos impostos pagos pelas corporações americanas. AlĂ©m disso, com amplo apoio do seu partido, o ex-presidente vem dizendo que, se ganhar a eleição em novembro, irá renovar a redução de imposto de renda para as famĂlias americanas, prevista para expirar no fim de 2025. Se essa renovação nĂŁo for proposta pelo governo e aprovada pelo Congresso, o imposto de renda pago pelas famĂlias americanas aumentaria 60% já a partir de 2026.
Como forma de financiar parte dessa redução de impostos, Trump declarou que pretende impor uma tarifa de importação de 10% de forma geral a todos os produtos. Mas essa medida é insuficiente para cobrir até uma parte relevante de uma renovação de redução de impostos. Além disso, Trump também está inclinado a adotar outros incentivos fiscais para estimular a economia americana.
Assim, os analistas já estão indicando que, sob um eventual novo mandato de Trump, o déficit orçamentário dos EUA deve crescer a um ritmo mais acelerado do que aumentaria caso Biden fosse reeleito.
É importante lembrar que a expansĂŁo fiscal dos Ăşltimos anos – nĂŁo somente para atenuar os efeitos da pandemia de covid – foi uma das principais razões para a alta da inflação ao consumidor americano, forçando o Fed a elevar os juros para o maior patamar desde a dĂ©cada de 1980.
O dĂ©ficit orçamentário federal nos EUA aumentou para US$ 1,7 trilhĂŁo em 2023, ou 6,3% do PIB americano, apĂłs ter ficado em US$ 1,375 trilhĂŁo em 2022. Na divulgação das mais recentes projeções macroeconĂ´micas, ou “Summary of Economic Projections” (SEP), o Fed elevou sua estimativa para o nĂşcleo do Ăndice de preços de gastos com consumo (PCE, em inglĂŞs), sua medida preferida de inflação, de 2,6% para 2,8% em 2024 e de 2,2% para 2,3% em 2025. É muito provável que, dependendo do desfecho da eleição presidencial americana em novembro, nĂŁo somente os analistas e investidores precisem revisitar suas apostas para a trajetĂłria dos juros em 2025, mas tambĂ©m o prĂłprio Fed.
Se a expansĂŁo fiscal seguir forte e se Trump, caso saia vencedor da eleição, cumprir com as promessas para a sua polĂtica econĂ´mica, a desaceleração da inflação ao consumidor em direção Ă meta de 2% pode sofrer um novo revĂ©s.
Cenário Doméstico
Caso a equipe econômica não apresente em breve medidas de ajuste fiscal pelo lado das despesas, em um esforço para manter a meta de déficit primário zero para 2024 ou para conter o crescimento dos gastos, os preços dos ativos brasileiros continuarão sofrendo correções influenciadas pela retórica menos favorável ao mercado do presidente Lula. Um dólar acima de R$ 5,60 já não é uma hipótese descartável.
A deterioração no câmbio, na bolsa de valores e na curva de juros observada ao longo do mês de junho foi consequência das recentes declarações do presidente Lula, não apenas em relação ao presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, mas também à decisão do Copom de manter a taxa Selic em 10,50% e à autonomia do Banco Central.
Essas crĂticas sĂŁo similares Ă s proferidas no inĂcio do mandato de Lula, nos primeiros meses de 2023, que geraram ruĂdo e estresse no mercado. Naquela ocasiĂŁo, alĂ©m de Campos Neto, o alvo tambĂ©m incluĂa a meta de inflação de 3%. Em janeiro de 2023, o dĂłlar chegou a ultrapassar R$ 5,40 em várias sessões de negĂłcios, e os tĂtulos pĂşblicos pagaram juros reais acima de 6%.
A diferença crucial em relação ao momento atual é a ausência de expectativas favoráveis ao governo Lula, como o anúncio de uma nova âncora fiscal, similar ao arcabouço fiscal apresentado em abril pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Quando Haddad apresentou a proposta ao Congresso, os preços dos ativos brasileiros começaram a melhorar, corrigindo a deterioração observada nos primeiros meses do novo mandato de Lula.
Atualmente, analistas e investidores têm baixas expectativas quanto à divulgação de medidas de ajuste fiscal que o
mercado considere suficientes para garantir o cumprimento das metas fiscais, além da manutenção das regras originais do arcabouço fiscal. Muitos participantes do mercado esperam medidas paliativas para a contenção de despesas.
A origem do problema persiste: o presidente Lula e o PT nĂŁo demonstram apoio a polĂticas fiscais que nĂŁo sejam expansionistas, buscando aumentar os gastos para sustentar o projeto de poder, seja pela reeleição de Lula ou pela eleição de mais parlamentares do PT.
Dessa forma, Ă© pouco provável que haja uma mudança na retĂłrica de Lula e das lideranças do PT em relação a uma polĂtica econĂ´mica mais ortodoxa. Há tambĂ©m a possibilidade de que o prĂłximo presidente do Banco Central, a ser nomeado em 2025, tenha um perfil mais alinhado com os interesses do governo.
O mercado ainda nĂŁo conseguiu relaxar completamente em relação Ă meta de inflação de 3%, pois o decreto sobre a meta contĂnua nĂŁo foi publicado atĂ© o momento. As crĂticas do presidente Lula ao mercado podem ser contraproducentes: uma alta prolongada do dĂłlar pode afetar os preços na economia e as expectativas de inflação. No curto prazo, apenas a divulgação de um conjunto de medidas de ajuste fiscal pelo lado das despesas poderá
amenizar os impactos que as declarações de Lula têm causado nos preços dos ativos brasileiros.