A superação das expectativas do mercado, com um aumento de 4,5% na produção industrial e de 4,6% nas vendas de varejo na China em agosto, em comparação com o mesmo período do ano anterior, sugere que há indícios de estabilização na economia do país. No entanto, a confiança tanto de consumidores quanto de empresas permanece em níveis baixos, largamente influenciada pelos resultados desfavoráveis no setor imobiliário e pela diminuição na demanda de exportações. Essa situação tem dificultado a recuperação sólida da demanda agregada, levando o governo do presidente Xi Jinping a implementar uma série de medidas fiscais e monetárias, principalmente para estimular as vendas de propriedades.
Apesar dos desafios que a China enfrenta para acelerar o crescimento econômico este ano, boa parte dos especialistas em Beijing e Hong Kong acredita que o país poderá alcançar a meta de crescimento de 5,0% do Produto Interno Bruto (PIB) estabelecida pelo governo. Isso pode ocorrer especialmente devido à base de comparação relativamente baixa, uma vez que o PIB cresceu apenas 3% em 2022 devido aos lockdowns implementados em muitas cidades para conter a pandemia de COVID-19.
O ritmo mais lento do que o esperado na recuperação econômica da China gerou, até recentemente, uma percepção negativa entre os investidores internacionais em relação às perspectivas de curto prazo, resultando em uma significativa fuga de capitais do país e na depreciação do renminbi para a sua menor cotação em relação ao dólar em 16 anos. No entanto, medidas recentes adotadas pelo governo para revitalizar o mercado imobiliário, juntamente com declarações do banco central (PBoC) de que não permitirá uma depreciação desenfreada da moeda, têm criado expectativas de que a queda do renminbi não deve continuar nas próximas semanas.
Um dos principais obstáculos que tem impedido um crescimento mais rápido da economia chinesa é a cautela excessiva dos cidadãos e das empresas em relação à direção do mercado imobiliário, que responde por um quarto do PIB nacional e representa quase 70% do patrimônio das famílias no país. No entanto, “as importantes medidas recentemente adotadas pelo governo para estimular as vendas neste setor devem impulsionar o desempenho em breve”, observou Dong Chen, diretor de pesquisas macroeconômicas para a Ásia no Pictet Wealth Management.
Entre as medidas notáveis, destacam-se a redução do pagamento inicial de 30% para 20% para a compra da primeira propriedade e de 70% para 30% para a compra da segunda propriedade em todo o país. Outras restrições à aquisição de residências, destinadas a conter especulações, também foram flexibilizadas. Em grandes cidades como Hong Kong e Shenzhen, a aquisição de uma casa exigia comprovação de residência e emprego local, mas essas limitações estão sendo gradualmente retiradas em áreas-chave para estimular o mercado, como aconteceu recentemente em Zhengzhou.
A especulação imobiliária atingiu seu auge na China dois anos atrás, quando as vendas de novas propriedades totalizaram 1,6 bilhão de metros quadrados em 2021, de acordo com Dong Chen. Ele estima que o nível de equilíbrio entre oferta e demanda nesse setor seja de 1,2 bilhão de metros quadrados, e isso deve ser alcançado este ano. Apesar de uma queda de 14% nas vendas de novas residências entre janeiro e agosto deste ano em comparação com o mesmo período de 2022, Chen acredita que, com as medidas governamentais para incentivar a compra de imóveis, as vendas de novas moradias em 2023 poderão se igualar ao ano anterior.
A política de austeridade na gestão dos gastos públicos adotada pela administração de Xi Jinping resultou em um atraso na emissão de títulos públicos especiais destinados a projetos de infraestrutura em parceria com governos locais. Esses projetos estavam previstos no orçamento federal, o que efetivamente tornou a política fiscal contracionista. Diante das dificuldades da economia em ganhar impulso, as autoridades em Pequim recentemente determinaram que a maior parte dos títulos precisava ser emitida até o final deste mês e garantir que os recursos fossem direcionados para projetos de longo prazo, com conclusão prevista até o final de outubro. Dong Chen observou que o governo deverá emitir o equivalente a 3,8 trilhões de renminbis em títulos previstos para 2023 e que parte do gasto planejado para 2024 será antecipada nos últimos meses deste ano, a fim de fortalecer o PIB.
Yating Xu, economista-chefe da S&P Global Market Intelligence para a China, destacou que as medidas fiscais e monetárias adotadas pelo governo visam fortalecer o mercado imobiliário, mas não têm a intenção de gerar um grande impulso na atividade econômica. Segundo ela, o país vem experimentando uma desaceleração no crescimento do PIB desde 2012, devido a problemas estruturais como o rápido crescimento do mercado imobiliário e os preços elevados das habitações, que contribuíram para o aumento da dívida do setor privado.
Yating não espera que o governo chinês adote medidas adicionais significativas a curto prazo para estimular a demanda agregada de forma significativa. Ela acredita que o governo está esperando que as ações fiscais estabilizem o setor imobiliário e produzam resultados gradualmente nos próximos meses. Caso não haja uma melhoria clara na atividade econômica até o final deste mês, ela sugere que o PBoC poderá reduzir ainda mais as taxas de juros, haverá mais ações para estimular o mercado imobiliário e estímulos adicionais por parte de bancos estatais para projetos de infraestrutura, semelhante ao que ocorreu em 2020 durante a pandemia. No entanto, ela ressalta que o ritmo da economia está sob controle nas perspectivas do governo.
Cenário Doméstico
Apesar de manter a concordância no que diz respeito ao corte da taxa de juros e nas indicações sobre os próximos passos, a reunião mais recente do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central revelou divisões adicionais em sua análise e preocupações acerca da situação inflacionária.
Os membros mais conservadores expressaram maior preocupação com a possibilidade de um descolamento prolongado das expectativas inflacionárias. Eles também manifestaram ceticismo quanto à sustentabilidade da melhoria na inflação de serviços e alertaram para os riscos de um possível fenômeno El Niño causar uma inflação mais alta do que o previsto.
Além disso, houve divergências na avaliação do cenário internacional, um componente crítico na avaliação dos riscos para a inflação. Um grupo enfatizou a probabilidade de uma desaceleração global moderadamente mais suave, enquanto outro grupo mencionou a possibilidade de uma desaceleração sincronizada.
Essas divergências não tiveram impacto imediato na condução da política monetária, visto que houve unanimidade na decisão de reduzir a taxa Selic em 0,5 ponto percentual diminuindo-a de 13,25% ao ano para 12,75% ao ano, e na sinalização de futuros cortes na mesma magnitude nas próximas reuniões.
No entanto, essas divergências entre os membros conservadores e moderados podem, em um estágio posterior, influenciar a trajetória da política monetária, especialmente porque o equilíbrio entre essas duas facções no comitê tende a se modificar. Em dezembro, encerrarão os mandatos de dois membros associados à ala mais conservadora, Fernanda Guardado e Maurício Moura, e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva nomeará dois novos membros, presumivelmente com um perfil mais moderado.
No geral, os membros do Copom discordaram em quatro dos seis fatores que estão sendo monitorados com mais atenção para orientar suas decisões sobre os juros: inflação de serviços, avaliação dos riscos, projeções de inflação e expectativas inflacionárias. Pouca discussão ocorreu em relação aos núcleos da inflação, e não ficaram evidentes divisões significativas na avaliação da capacidade ociosa da economia.
O comunicado do Copom enfraquece a principal tese que poderia, teoricamente, levar a cortes mais rápidos nos juros do que o previsto – a ideia de que a economia estaria operando com um nível maior de ociosidade do que se estimava.
Essa tese do aumento da ociosidade ganhou força recentemente, considerando a redução da inflação subjacente dos serviços, bem como as observações do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, sobre o maior potencial de crescimento econômico não inflacionário, conhecido como PIB Potencial, devido às reformas econômicas implementadas desde o governo Temer.
O Copom, como um todo, concluiu que “existem elementos que aumentam a incerteza das estimativas e inclinam para uma revisão ascendente nas estimativas do hiato do produto utilizadas pelo comitê.” Também manteve a possibilidade de uma ociosidade mais apertada no balanço de riscos para a inflação.
Além disso, minimizou o impacto que a teoria do PIB potencial poderia ter no imediatismo da política monetária. Segundo a ata, seria necessário um período considerável com surpresas de crescimento sem pressões inflacionárias para se chegar à conclusão de que esse PIB potencial maior realmente existe.
No entanto, existe uma divisão significativa entre os membros do Copom em relação ao cenário básico de projeção da inflação e ao balanço de riscos, fatores que formam a base sólida das discussões sobre política monetária.
Um desses pontos cruciais é o fenômeno El Niño. “O Copom optou por incorporar um impacto relativamente limitado do El Niño em suas projeções para a inflação de alimentos, mas alguns membros ressaltaram os riscos inflacionários em caso de um El Niño mais intenso”, afirma o comunicado do Copom.
Se, por exemplo, o comitê tivesse considerado um impacto maior do El Niño em seu cenário básico, a projeção de inflação para 2024 provavelmente seria maior que os 3,5% estimados, o que reduziria o espaço para cortes de juros, uma possibilidade que alguns no mercado nunca descartaram. Se essa consideração fosse incorporada no balanço de riscos, ele provavelmente deixaria de ser simétrico, requerendo uma abordagem mais cautelosa na política monetária.