O anúncio do pacote de medidas fiscais do governo, que foi prometido cinco semanas atrás e frustrou praticamente todos os investidores, causou um forte movimento de aversão ao risco no mercado brasileiro ontem.
Isso porque, de forma geral, os especialistas consideraram as medidas fracas, já que não mexem em questões importantes, como a desvinculação das aposentadorias do salário mínimo e a desindexação dos gastos com Educação e Saúde, além de “jogar toda a responsabilidade” no colo do Congresso.
Para piorar, a tentativa do governo de compensar um ajuste fiscal com uma “boa notícia” para o povo brasileiro, anunciando, em conjunto com o pacote, o projeto de aumento da faixa de isenção do imposto de renda para quem ganha até R$5 mil mensais trouxe ainda mais incertezas para uma já complicada situação fiscal.
O resultado disso foi uma disparada do dólar, que chegou a R$6,11 nesta sexta, e dos contratos de juros futuros, com o mercado precificando que a Selic deve chegar em 14% em meados do ano que vem, se mantendo neste patamar por um bom tempo.
A massiva repercussão negativa do plano fez com que o Planalto passasse a abordar o tema de forma mais cautelosa.
Em evento organizado pela Febraban nesta sexta-feira, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou que o plano apresentado na quarta não é o seu “gran finale” e que, se necessário, irá voltar a trabalhar em possibilidades para fazer com que o arcabouço fiscal seja cumprido.
Por sua vez, a ministra do Planejamento, Simone Tebet, que também participou do evento, afirmou que o governo irá mirar o centro da meta do ano que vem, de déficit zero, com o objetivo de ajudar o futuro presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, em sua tarefa com a política monetária, já que o governo também quer que a taxa de juros brasileira caia.
No Legislativo, os presidentes da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, e do Senado, Rodrigo Pacheco, reiteraram o compromisso de ambas as casas com o arcabouço fiscal.
No X, Lira afirmou que “toda medida de corte de gastos que se faça necessária para o ajuste das contas públicas contará com todo esforço, celeridade e boa vontade da Casa, que está disposta a contribuir e aprimorar” tais medidas.
Da mesma maneira, Pacheco disse que “é preciso afastar o medo da impopularidade que constantemente ronda a política” e que “é importante que o Congresso apoie as medidas de controle, governança, conformidade e corte de gastos, ainda que não sejam muito simpáticas”.
Já com relação ao aumento da faixa de isenção do imposto de renda, ambos foram claros ao afirmar que são assuntos distintos e que serão tratados separadamente, com o Legislativo trabalhando para que esse tema seja abordado de forma racional e sem gerar impactos fiscais ou uma eventual compensação via aumento de tributação.
Um especialista ouvido pela Investir Seguro acredita que o mercado perdeu boa parte de sua confiança na seriedade com que o governo trata a atual situação fiscal do país.
“A paciência acabou na quarta-feira [com o pronunciamento]. O governo anunciou uma proposta que o distancia do equilíbrio fiscal em meio a um comunicado à população em que afirma que precisa cortar gastos para atingir o equilíbrio fiscal”, afirmou ele.
“É a mesma coisa que uma família anunciar aos filho que irão cortar gastos porque estão sem dinheiro, mas anunciar que irão comprar passagens para irem à Disney no ano que vem”.
Sendo assim, na visão dele, o mercado deve começar a olhar mais para a posição do Congresso que é, em sua formulação, de centro-direita, mas que, em alguns momentos nos últimos anos, não agiu dessa forma.
Para evitar um cenário ainda mais adverso, ele acredita ser necessário que o Legislativo se torne o “responsável fiscal” do país, endurecendo as regras do pacote e “fazendo o que for preciso para que a trajetória da dívida pública brasileira tenha o mínimo de previsibilidade não só até 2026, mas para os próximos anos”.
“Os discursos de Lira e de Pacheco hoje foram em linha com o que o mercado esperava do Planalto na quarta-feira. Uma missão espinhosa mas que precisa ser encarada para o país encontrar um futuro melhor”, concluiu.