A gestora de recursos independente Pátria publicou, na semana passada, seu tradicional “One Pager”, uma carta mensal em que aborda um tema em específico.
Na edição referente a Setembro, a gestora abordou a relação entre mudanças de política e transformação institucional, iniciando a publicação comparando a postura do Federal Reserve (FED), banco central dos Estados Unidos, e do Banco Central do Brasil com relação à política monetária.
“De um lado, o Fed cortou o juro básico em 50 pbs, para 5% a.a., e anunciou o início de um ciclo de afrouxamento. Do outro, o Bacen elevou-o em 25 pbs, para 10 3⁄4% a.a. e avisou que aumentos adicionais virão se houver evidência de pressões de alta persistentes sobre a inflação”, pontua.
A gestora destaca que a sincronia entre ambos os bancos centrais não é grande e, neste século, aconteceram apenas em episódios que o FED foi levado a afrouxar suas condições monetárias “para evitar uma depressão mundial”.
“Ademais, há tendência histórica de queda do juro básico no Brasil, a despeito de ocasionais soluços, ao passo que a inclinação nos EUA é menos clara”, acrescenta.
A assincronia da vez foi ocasionada pelos diferentes momentos que a economia dos Estados Unidos e do Brasil se encontram.
Enquanto o FED se aproxima do famoso pouso suave, “com expectativas de inflação ancoradas e modesta alta do desemprego”, o BC brasileiro enfrenta uma situação “inteiramente distinta”.
“Desde o primeiro trimestre deste ano, indicadores antecedentes do nível de atividade veementemente apontam para aceleração do crescimento real do PIB, sem se intimidar com juros de dois dígitos e graças a fatores domésticos, tais como um robusto mercado de trabalho”, afirma a publicação.
“Decerto, a taxa brasileira de desemprego de 6.6% é alta para os padrões de economias desenvolvidas, mas é significativamente menor que a média de 10.9% registrada nos últimos 10 anos”.
A gestora afirma que esse cenário, “na visão de copo menos vazio”, não deve ser comemorado, já que ele é incompatível com um processo de desinflação, com as expectativas de inflação nos próximos 12 meses permanecendo próximas dos 4%, 1 ponto percentual acima da meta.
“Estimativas de função reação tipo regra de Taylor sugerem que, tudo o mais constante, elevar a taxa Selic para 11.5% a.a. conseguiria reduzir a inflação ao consumidor para 3% a.a.”, comenta.
Ainda assim, a Pátria projeta que “há risco de aperto suplementar”, com a possibilidade de Roberto Campos Neto, que passará o cargo a Gabriel Galípolo no final do ano, querendo “demonstrar sua seriedade de propósitos indo um pouco além daquilo que considerações puramente técnicas justificariam”.
“Nesse caso, a mudança de política no Brasil visa fortalecer as instituições. Bem distinta é a história que está sendo contada na segunda maior economia latino-americana”, afirma a gestora, fazendo alusão ao México.
A publicação destaca que a recém-eleita presidente mexicana, Scheinbaum, “recebeu herança complicada de seu predecessor”, López Obrador, que, apesar de ter tirado milhões de mexicanos da pobreza, falhou no combate à violência do país e alterou a constituição do México, consolidando o que classificou como “quarta transformação”, redesenhando as instituições de forma inédita.
“Nesse contexto, expandiu o aparato militar em áreas previamente reservadas à sociedade civil numa escala antes inimaginável e busca eliminar órgãos autônomos como o Instituto Nacional de Transparência, Acesso à Informação e proteção de Dados (INAI), o Instituto Federal de Telecomunicações (IFT) e a Comissão Federal de Competição Econômica (COFECE)”, explica.
“De forma mais funesta, os legisladores mexicanos emendaram a constituição e definiram a eleição, sob os auspícios de uma máquina política controlada pela coalizão governista, de todos os juízes, inclusive da Suprema Corte, além dos que servem em outros tribunais federais e estaduais. Um Tribunal Judicial Disciplinar eleito terá autoridade para punir, suspender ou destituir magistrados, e não caberão recursos às suas decisões”.
A gestora destaca que apenas um país tentou fazer algo semelhante, a Bolívia, que hoje ocupa a 131ª posição no World Justice Project, que conta com 142 nações, afundando a níveis comparáveis com os da Venezuela.
“Se levar a cabo as polêmicas reformas de seu antecessor, Scheinbaum joga com a estabilidade institucional e pode transformar seu país em uma democracia não liberal que alardeia participação popular, mas carece de separação de poderes e proteção dos direitos humanos”, avalia.
Na visão da gestora, isso é um grande retrocesso que, inclusive, deve enfrentar reações negativas da OCDE e de seus parceiros no acordo Estados Unidos-México-Canadá (USMCA).
“Por fim, reforçaria uma tendência de longo prazo de aumento do risco soberano mexicano, levando assim a um crescimento econômico menor e à maior exclusão social, resultados exatamente opostos àqueles pretendidos pelos seus proponentes”, conclui.